Pessoas albinas como a modelo são frequentemente perseguidas na
África (Foto: Gringo Wotshela)
Na confusão de um camarim durante a Africa Fashion Week,
realizada na semana passada em Joanesburgo, na África do Sul, uma mulher
sentava-se em um canto, quieta.
No entanto, em meio ao vai e vem de modelos e estilistas de várias partes do
continente africano, ninguém chamava mais a atenção no recinto do que a
silenciosa supermodelo americana Diandra Forrest.
Cerca de uma em cada 17 mil pessoas no mundo nasce com o distúrbio genético
que afeta Diandra, o albinismo. Ele é caracterizado pela ausência total ou
parcial de pigmentação na pele, cabelos e olhos, e também pode estar associado a
problemas de visão.
Em alguns países africanos, particularmente no leste do continente, albinos
correm risco de sequestro e mutilação. Segundo crenças populares, as partes de
seus corpos contribuem para tornar certos rituais e poções mágicas mais
poderosos.
Diante dessa realidade terrível, Diandra tem consciência de que sua presença
na Africa Fashion Week teve um papel mais importante, ao desafiar os conceitos
tradicionais de beleza.
"É muito importante para mim estar aqui porque quero mudar a forma como as
pessoas veem meninas com albinismo no continente", disse a modelo à BBC.
"Cresci achando que minha vida era dura, com as crianças rindo de mim o tempo
todo. Eu voltava para casa chorando", ela recordou.
'Chocada'
"Mas isso não é nada em comparação com o que as pessoas como eu enfrentam por
aqui, particularmente nas áreas rurais".
"Quando descobri que em países como a Tanzânia albinos como eu correm o risco
de ter seus membros amputados para o comércio fiquei tão chocada! Pessoas como
eu vivem cada dia de suas vidas com medo. É terrível".
Nas passarelas internacionais, no entanto, Diandra Forrest está lançando uma
tendência.
Como outros nomes do mundo da moda, o estilista sul-africano Jacob Kimmie,
radicado na Grã-Bretanha, ficou impressionado quando viu Diandra.
"Ela não parece ser desse mundo, tinha de tê-la no meu desfile", ele
disse.
"É verdade que usar modelos albinas é o quente no momento. Mas espero que o
impacto de se usar pessoas que têm aparência muito diferente seja inspirar uma
mudança a longo prazo".
A modelo sul-africana Refilwe Modiselle, uma albina que cresceu em Soweto,
cidade contígua a Joanesburgo, concorda.
Ela iniciou sua carreira aos 13 anos de idade. Hoje, é garota propaganda da
grife sul-africana Legit. E conta que o albinismo costumava ser visto de forma
negativa, mas está se tornando parte da norma.
"Realmente sinto que o trabalho que Diandra e eu estamos fazendo é o início
de uma mudança verdadeira".
Feitiçaria
No entanto, na província sul-africana de Kwazulu Natal, cerca de um dia de
distância da passarela da Africa Fashion Week, a família de um menino albino
desaparecido há mais de um ano teme que ele tenha sido sequestrado por pessoas
envolvidas em bruxaria.
Mais recentemente, em Meru, na Tanzânia, o corpo de um albino com idade
estimada em torno de 30 anos foi descoberto em junho. Várias partes de seu corpo
estavam faltando.
As partes do corpo dos albinos são usadas em poções "medicinais" ou
enterradas sob prédios comerciais. Segundo a crença, elas trazem
prosperidade.
Seria uma modelo em uma passarela realmente capaz de mudar essa
realidade?
Peter Ash, autor de um relatório sobre albinismo encomendado pela ONU em
2012, responde que sim.
"Quanto mais pessoas com albinismo são retratadas de forma positiva, melhor.
Realmente ajuda", ele disse.
"O problema principal que encontramos é uma aceitação tácita da violência
contra pessoas com albinismo porque elas são vistas como subumanas, uma
representação do demônio, ou como portadoras de uma maldição".
"Então é crucial que sociedades africanas comecem a ver modelos positivos
para que possamos mudar esse tipo de pensamento".
Preconceito
O relatório da ONU cita estimativas da ONG de apoio a albinos Under the Same
Sun, segundo as qual 71 pessoas com albinismo teriam sido mortas e 31 teriam
sobrevivido a ataques na Tanzânia entre 2006 e 2012.
Em Burundi, 17 albinos foram mortos. No Quênia, sete. Na Suazilândia,
três.
Frequentemente, os casos não são denunciados ou investigados, disse Nomasonto
Mazibuko, da Society for Albinism, uma associação de albinos da África do
Sul.
Ela acha, no entanto, que a mudança tem de partir do próprio continente.
"O ponto crucial é que as pessoas não veem albinos como seres humanos. Cabe a
nós na África falar sobre isso e trabalhar para combater o preconceito".
A voz de Mazibuko vai subindo de volume enquanto ela fala: "Não podemos ficar
quietos, não podemos continuar escondidos".
"E qualquer garota com albinismo que está andando nas passarelas
internacionais ou nas ruas com a cabeça erguida é um exemplo muito
necessário".
A modelo Modiselle espera poder ser um desses agentes catalizadores,
inspirando a sociedade sul-africana e o continente como um todo.
"Sou o símbolo de unidade racial. Sou uma garota negra que vive na pele de
uma pessoa branca", ela disse à BBC.
"Eu gostaria de ser conhecida por ser uma modelo, e por todas as minhas
outras realizações, não por ser albina".