domingo, 28 de junho de 2009

A tecnologia ficou invisível

Os aparelhos eletrônicos serão embutidos em roupas e objetos. Estarão até dentro de nós. Alguns facilitarão nossa vida. Outros vão espreitar nossos movimentos.
Você acorda para trabalhar. No banheiro, o espelho indica seu peso, sua idade, o nível de colesterol e a pressão sanguínea informados por sensores implantados em seu corpo. Também mostra a série de exercícios físicos que você deve fazer para manter seu organismo saudável. Na cozinha, sua mãe prepara o café. A geladeira apresenta os produtos cujo prazo de validade está chegando ao fim e envia para o mural digital da cozinha a lista de itens que devem ser comprados. O equipamento, com tela sensível ao toque e webcam integrada, também exibe fotos de seus amigos e parentes. É o aniversário de seu tio que mora no exterior. Você grava um vídeo desejando felicidades. Com a ponta do dedo, arrasta o arquivo até a foto do aniversariante. Pronto, a mensagem é enviada para o e-mail de seu tio. Já no carro, você se dá conta de que esqueceu o endereço da reunião marcada para esta manhã. Com um comando de voz, seus e-mails aparecem no display do carro. Ao selecionar o endereço com o toque do dedo, o GPS indica o melhor caminho a seguir. Coisa de filme? Em alguns anos, sua rotina poderá ser assim.
A promessa que a ciência e a evolução tecnológica trazem para a humanidade é de um futuro conectado. Uma conectividade, garantem cientistas e estudiosos, bem diferente daquela à qual estamos acostumados atualmente. Na próxima década, chips deverão estar presentes em sapatos, carteiras, gravatas, canetas, batons, em seu corpo e sob sua pele. Tudo terá inteligência e estará conectado. “A palavra ‘computador’ vai desaparecer, porque tudo será computador”, diz Jean Paul Jacob, pesquisador emérito da IBM que foi contratado há 46 anos pela empresa para o cargo de futurólogo da companhia americana. Como essas mudanças vão afetar nossa vida?
Algumas das facilidades descritas na abertura desta reportagem (como a geladeira com internet) são prometidas há anos pela indústria, sem nunca passar do protótipo. Mas um número crescente de produtos inovadores já está sendo produzido. Eles mostram como é possível incorporar a capacidade computacional a objetos e equipamentos que vão além de laptops, GPS (Global Positioning System), celulares multifuncionais e sensores usados por atletas para controlar batimentos cardíacos e velocidade de corrida.
O próprio conceito de chip passará por mudanças. Deixará de ser feito de silício. Henrique Eisi Toma, coordenador do laboratório de nanotecnologia molecular da Universidade de São Paulo (USP), diz que a ciência vive um momento semelhante à transição da válvula para o transistor. A nova geração de chips será construída em nanoescala. Seus componentes serão tão pequenos – mil vezes menores que as dimensões atuais – que serão construídos molécula por molécula. “A nanoescala, ao contrário da microescala – que ficou restrita à eletrônica –, vai mexer com tudo da sociedade”, diz Toma.
Uma das promessas para a área de saúde é o protótipo da iPill, da Philips, uma pílula inteligente criada para tratar doenças do aparelho digestivo como colite e câncer do cólon. O remédio é capaz de identificar a região do trato intestinal em que está alojado (devido às diferenças do nível de acidez entre o estômago e áreas do intestino) e liberar doses pré-programadas de substâncias para combater o mal. A cápsula de 26 milímetros tem microprocessador, bateria, sensor de acidez, transmissor de rádio, termômetro e uma bomba para liberar os medicamentos. Ela se comunica com uma unidade controladora fora do corpo por meio de rádio, informando a temperatura local. O microprocessador controla a administração da droga, que é liberada pela bomba da cápsula, segundo as prescrições do médico.
Aparelhos tão surpreendentes terão novas formas de se comunicar conosco. Hoje, dependemos de teclados, botões ou mouses para comandá-los. Isso vai mudar.

A perspectiva dos pesquisadores é que a comunicação com as máquinas venha a ser mais natural. Hoje, eles estudam como os aparelhos podem entender melhor nossas ordens e nossos humores. É o que fazem os 50 pesquisadores e professores da Tauchi (Unidade de Interação entre Homens e Computadores da Universidade de Tampere), na Finlândia. Eles estudam técnicas para acessar informações e aplicações exclusivamente por meio da visão. Seu principal uso, por enquanto, é permitir a comunicação de pessoas que sofrem de deficiências motoras. Mas as funções podem evoluir para outros públicos.
Essas inovações provocarão, além de uma ruptura tecnológica, uma transformação na forma de a sociedade se comunicar. Os jovens de hoje estão desenvolvendo novas noções de disponibilidade, proximidade, intimidade e privacidade. Basta ver como seus valores são diferentes das gerações anteriores. Eles são muito mais dispostos a compartilhar opiniões e confidências (às vezes em público) do que seus pais. Colecionam amigos virtuais que viram apenas por meio de comunicadores instantâneos ou pelo microblog Twitter. As redes sociais, como o Orkut e o Facebook, se tornaram a sala de estar da atualidade.

As novas gerações também constroem sua noção dos outros a partir do que está no arquivo digital on-line público. Quando alguém vai ser apresentado a uma pessoa, procura tudo o que diz respeito a ela em sites de busca, para formar uma opinião prévia. Essas primeiras impressões são duradouras, mesmo depois de um contato pessoal. Mas as informações sobre cada pessoa na internet, boas, ruins ou falsas, são organizadas pelos buscadores, sem nenhum controle do perfilado. “Hoje, o Google faz a sua imagem”, diz Jean Paul Jacob. Ele disse que, antes de me atender para a entrevista, consultou meu nome na internet. Queria saber quem eu era, ou melhor, como o Google me apresentava.

Essa perda de controle sobre a própria imagem vai se acentuar. “A troca de informações entre computadores e pessoas não é algo exatamente novo”, afirma Desney Tan, pesquisador da Microsoft em Redmond, nos Estados Unidos. “Mas a escala com que vamos poder e querer fazer isso será muitas vezes maior.” Os computadores, sensores e câmeras estarão em todos os lugares. Na maioria das vezes, não poderão ser vistos. Isso significa que a sociedade precisará desenvolver novas formas de deixar as pessoas cientes da presença desses computadores e do que eles são capazes de fazer, que tipo de dados eles capturam e como essas informações são compartilhadas e armazenadas.

Os pesquisadores se dizem otimistas. “Novas tecnologias vão continuar a despertar desafiadoras questões éticas, culturais e legais”, afirma Tan, da Microsoft. “Mas não acredito que escorregaremos para um mundo no qual perderemos o controle sobre a informação. A menos que decidamos que queremos isso.” De certa forma, parte dessa discussão sobre privacidade e ética digital já está acontecendo agora, com a disseminação de blogs, Facebook, Twitter, YouTube e de nossos dispositivos eletrônicos. Podemos ainda não ter chegado a conclusões. Mas, quando os computadores ficarem invisíveis, estaremos muito mais preparados para os novos desafios morais que a tecnologia trará.

fonte: Revista Época

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